quarta-feira, 25 de julho de 2012

Penetra surdamente no universo das palavras



Sempre tive imensa curiosidade de conhecer o Museu da Língua Portuguesa, localizado na Estação da Luz em São Paulo.  Menos por ser professora de português, mais pela curiosidade da interatividade que sempre foi foco quando o Museu aparece na mídia. Alias, acredito que visitar um Museu seja de Língua ou de qualquer outra natureza é um investimento cultural sem igual. Independente da profissão ou interesse.
E como a substância da língua é a interação, seja ela verbal oral ou verbal escrita, queria averiguar se o Museu da Língua seguia esta lógica. Afinal, segundo Bakhtin (1988), o diálogo é a condição fundamental para se conceber a linguagem. Este autor nos ajuda a compreender que a linguagem só tem sentido numa perspectiva social de uso, ou seja, a linguagem tem uma natureza social de produção. Os indivíduos procuram se comunicar e interagir a partir de suas necessidades com seus pares e para isso se utilizam da linguagem através da enunciação da sua língua materna. Eu queria ver se isso ficaria claro no Museu.

Logo na entrada havia a exposição magnífica denominada “Pitacos de Jorge Amado”. Soube que de tempos em tempos o Museu homenageia um autor específico. Nesta tive a imensa alegria de contemplar um autor brasileiro que levou sua obra e seus escritos para além do oceano Atlântico e que obteve reconhecimento ainda em vida. Há diversas traduções de “Gabriela”, “Capitães de areia” e demais produções circulando em outros países. Porém, no Museu o retrato da terra do autor estava representado pelo corredor que imitava os bambus existentes na Bahia. As várias tirinhas do Senhor do Bom Fim, as fotografias da culinária típica e dos lugares mais marcantes do solo baiano. Outra coisa que surpreende é os inúmeros pontos de computadores espalhados pelo meio das salas decoradas com informações e vídeos que contemplam a vida e a obra do autor em destaque. É possível assistir a tudo, basta ter tempo e vontade.

Naquele dia, havia um ingresso extra para assistir no auditório um vídeo sobre a Língua. A origem da língua e da linguagem. Vídeo magnífico com narração de Fernanda Montenegro. Aliás, aos que querem fazer uma visita guiada e gratuita o melhor dia é no sábado. Ao final da exibição que dura aproximadamente 15 minutos, aparece alguém da plateia no palco e convida a todos para “entrar” naquele espaço. A tela de cinema desce e fica no chão projetando imagens nas paredes e no teto. Há arquibancadas em volta para o público sentar. A expressão “Penetra surdamente no universo das palavras”  é repetida intensamente. Depois começam a aparecer textos projetados nas paredes de diversos poemas em situação de intertextualidade. Inicia com a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias.
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá. [...]

Sabiás virtuais passeiam pelas paredes e pelo teto em todos os lados enquanto a poesia é narrada. Um encanto! A seguir vem a narração de “Canto de regresso a pátria” de Oswald de Andrade.

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá” [...]

Poemas dos heterônimos de Fernando Pessoa que junto com Camões é um dos grandes representantes da literatura portuguesa. E mais para o final, um toque de irreverência e humor a partir do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: 

“João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”

E por fim, brilhantemente o rap cantado a partir da poesia de Gregório de Matos, o chamado “Boca de Inferno”, pois no Brasil Colonial já denunciava através da palavra a corrupção: 

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.  [...]
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.    [...]”

Parece que mesmo passado tanto tempo desde a sua escrita, a poesia (infelizmente!) é bem atual. Além disso, há um corredor imenso onde as pessoas podem sentar e assistir os vídeos em constante atualização sobre sociolinguística, ou seja, as características diferenciadas que a língua toma em relação a idade, sexo, origem social,  região, etc. Nos demais corredores há a história da língua através das “famílias linguísticas” e claro, a ênfase em como o português brasileiro se constituiu.
Então, o prometido é realidade. É de fato um museu moderno, interativo, instrutivo. O ideal é que todos os brasileiros possam um dia passar por lá quando estiverem por São Paulo. É uma visita sem igual. Garanto! E que saibam a importância e dimensão que o português brasileiro adquiriu enquanto língua autônoma e de uma pátria singular, o Brasil. 
Assim, finalizo este texto com o mesmo desejo de Oswald de Andrade:

“[...] Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo”

Andressa da Costa Farias

** Texto publicado também na Revista MIX- do jornal Diário de Santa Maria  (RBS) no dia 11 de agosto de 2012.
Acesse:
http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,1304,3849680,20187 

5 comentários:

Patricia disse...

Excelente relato!!!!!!!!!!

MARIBEL DAL BEM disse...

GOSTEI DO TEXTO E FIQUEI CURIOSA PARA CONHECÊ-LO. TAMBÉM ADORO MUSEUS! SÃO DE UMA CULTURA INENARRÁVEL...

andressacf disse...

Maribel, será que apesar de "inenarrável" eu conseguir narrar um pouquinho, não é ?
Se você ficou com vontade de ir lá, já valeu o texto.
Beijão !
Andressa

Orientadora de Estudos- PNEM EEB Teixeira de Freitas- Andréia Raizer disse...

Também fiquei com vontade de conhecer o Museu!

andressacf disse...

Que bom Andréia, no próximo feriado corre para São Paulo. Vale a pena !

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