domingo, 9 de junho de 2019

Resistência e Coragem

Participei recentemente da Semana Acadêmica de Letras da UFSC que trouxe como convidado para fazer a abertura do evento o professor e tradutor Marcos Bagno (UnB). Desde que fui apresentada aos seus textos, quando aluna de graduação em Letras na UFSM, tornei-me fã de sua obra cujos livros mais famosos são “Preconceito Linguístico” e “Língua de Eulália”. O autor procura desmistificar certos preconceitos advindos da linguagem ancorado em pesquisas linguísticas e sociais. E que fazem todo o sentido. O auditório estava lotado. Era de se esperar. Não havia mais como sentar e muitos ficaram em pé ou sentaram pelos corredores. Realmente a fala de Bagno sempre gera curiosidade e satisfação, pois é além de linguista é um ativista político. E creio que apresentação da palestra do escritor na UFSC foi um ato de coragem visto os tempos que a universidade vive e a conjuntura atual. O autor desnudou a história linguística do Brasil desde 1500 até a época atual e ficou claro em sua fala e em seu texto de apresentação a formação do português brasileiro “popular”. Houve para tal a influência das línguas africanas e indígenas. Afinal, as terras ditas posteriormente “brasileiras” possuíam uma realidade multilíngue a partir das centenas de línguas aqui já existentes quando da chegada do colonizador branco europeu. No entanto, o assassinato de vários indígenas, a escravização da população negra advinda da África, o processo de evangelização católica e a economia da colônia e posteriormente metrópole brasileira fizeram com que o português fosse adotado como língua hegemônica neste país continental. Todo o panorama histórico desvelado pelo autor foi para contextualizar que a língua está intimamente atrelada ao aspecto social. E que ela jamais será homogênea. Bagno enfatizou que o preconceito linguístico advém, sobretudo, do preconceito social para com certos grupos da população brasileira. Especialmente os grupos sociais constituídos por mulheres não brancas, jovens negros (aliás, o país tem um dos maiores números de assassinatos de jovens negros pobres), indígenas, pobres, homossexuais e transexuais. É cada vez maior os casos de violência doméstica contra a mulher. E outras violências várias. A falta de acesso a educação de qualidade deixa cada vez mais à “mercê” da violência e da falta de proteção social tantos grupos brasileiros. E por este e vários motivos acredito que a educação deveria ser prioridade e não ser constantemente atacada como vem ocorrendo ultimamente no país. E por isso, considerei a fala do Bagno um ato de extrema coragem ao desnudar todas estas malezas que assolam o país e que podem deixar cada vez mais “à mercê” da sorte tantos grupos sociais. Eu presenciei neste ano a alegria de dois vestibulandos que adentraram a universidade pública. As lágrimas de uma jovem negra que a partir da política de cotas entrou no curso de Enfermagem. A primeira da sua família a começar um curso superior. E a de outro jovem que passou para Medicina, mas que se não fosse a cota da escola pública não teria seu sonho realizado. Esta realidade está ameaçada. Resistir a tudo isso é necessário e urgente. Vamos utilizar da língua, seja ela escrita ou verbal, para sermos resistência e coragem. Sempre. Tal como Marcos Bagno. Tal como a UFSC. E tal como a universidade pública (de excelência!) brasileira. *********************************** Andressa da Costa Farias ************************************************** Publicado no Diário de Santa Maria, dia 14/06/2019.

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