Sempre tive imensa curiosidade de conhecer o Museu da Língua Portuguesa, localizado na Estação da Luz em São Paulo. Menos por ser professora de português, mais pela curiosidade da interatividade que sempre foi foco quando o Museu aparece na mídia. Alias, acredito que visitar um Museu seja de Língua ou de qualquer outra natureza é um investimento cultural sem igual. Independente da profissão ou interesse.
E como a substância da língua é a interação, seja ela
verbal oral ou verbal escrita, queria averiguar se o Museu da Língua seguia
esta lógica. Afinal, segundo Bakhtin (1988), o diálogo é a condição fundamental
para se conceber a linguagem. Este autor nos ajuda a compreender que a
linguagem só tem sentido numa perspectiva social de uso, ou seja, a linguagem
tem uma natureza social de produção. Os indivíduos procuram se comunicar e
interagir a partir de suas necessidades com seus pares e para isso se utilizam
da linguagem através da enunciação da sua língua materna. Eu queria ver se isso
ficaria claro no Museu.
Logo
na entrada havia a exposição magnífica denominada “Pitacos de Jorge Amado”. Soube que de tempos em tempos o Museu homenageia
um autor específico. Nesta tive a imensa alegria de contemplar um autor brasileiro
que levou sua obra e seus escritos para além do oceano Atlântico e que obteve
reconhecimento ainda em vida. Há diversas traduções de “Gabriela”, “Capitães de
areia” e demais produções circulando em outros países. Porém, no Museu o
retrato da terra do autor estava representado pelo corredor que imitava os
bambus existentes na Bahia. As várias tirinhas do Senhor do Bom Fim, as
fotografias da culinária típica e dos lugares mais marcantes do solo baiano.
Outra coisa que surpreende é os inúmeros pontos de computadores espalhados pelo
meio das salas decoradas com informações e vídeos que contemplam a vida e a
obra do autor em destaque. É possível assistir a tudo, basta ter tempo e
vontade.
Naquele
dia, havia um ingresso extra para assistir no auditório um vídeo sobre a
Língua. A origem da língua e da linguagem. Vídeo magnífico com narração de
Fernanda Montenegro. Aliás, aos que querem fazer uma visita guiada e gratuita o
melhor dia é no sábado. Ao final da exibição que dura aproximadamente 15
minutos, aparece alguém da plateia no palco e convida a todos para “entrar”
naquele espaço. A tela de cinema desce e fica no chão projetando imagens nas
paredes e no teto. Há arquibancadas em volta para o público sentar. A expressão
“Penetra surdamente no universo das
palavras” é repetida intensamente.
Depois começam a aparecer textos projetados nas paredes de diversos poemas em
situação de intertextualidade. Inicia com a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias.
“Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá;
As
aves, que aqui gorjeiam,
Não
gorjeiam como lá. [...]
Sabiás
virtuais passeiam pelas paredes e pelo teto em todos os lados enquanto a poesia
é narrada. Um encanto! A seguir vem a narração de “Canto de regresso a pátria” de Oswald de Andrade.
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá” [...]
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá” [...]
Poemas dos heterônimos de Fernando Pessoa que junto com Camões é
um dos grandes representantes da literatura portuguesa. E mais para o final, um
toque de irreverência e humor a partir do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade:
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”
E por
fim, brilhantemente o rap cantado a partir da poesia de Gregório de Matos, o chamado “Boca de Inferno”, pois no Brasil
Colonial já denunciava através da palavra a corrupção:
“Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. [...]
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. [...]
Quem
a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura. [...]”
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura. [...]”
Parece
que mesmo passado tanto tempo desde a sua escrita, a poesia (infelizmente!) é
bem atual. Além disso, há um corredor imenso onde as pessoas podem sentar e
assistir os vídeos em constante atualização sobre sociolinguística, ou seja, as
características diferenciadas que a língua toma em relação a idade, sexo,
origem social, região, etc. Nos demais
corredores há a história da língua através das “famílias linguísticas” e claro,
a ênfase em como o português brasileiro se constituiu.
Então,
o prometido é realidade. É de fato um museu moderno, interativo, instrutivo. O
ideal é que todos os brasileiros possam um dia passar por lá quando estiverem
por São Paulo. É uma visita sem igual. Garanto! E que saibam a importância e
dimensão que o português brasileiro adquiriu enquanto língua autônoma
e de uma pátria singular, o Brasil.
Assim, finalizo este texto com o mesmo
desejo de Oswald de Andrade:
“[...] Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo”
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo”
Andressa da Costa Farias
** Texto publicado também na Revista MIX- do jornal Diário de Santa Maria (RBS) no dia 11 de agosto de 2012.
Acesse:
http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,1304,3849680,20187
** Texto publicado também na Revista MIX- do jornal Diário de Santa Maria (RBS) no dia 11 de agosto de 2012.
Acesse:
http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,1304,3849680,20187
5 comentários:
Excelente relato!!!!!!!!!!
GOSTEI DO TEXTO E FIQUEI CURIOSA PARA CONHECÊ-LO. TAMBÉM ADORO MUSEUS! SÃO DE UMA CULTURA INENARRÁVEL...
Maribel, será que apesar de "inenarrável" eu conseguir narrar um pouquinho, não é ?
Se você ficou com vontade de ir lá, já valeu o texto.
Beijão !
Andressa
Também fiquei com vontade de conhecer o Museu!
Que bom Andréia, no próximo feriado corre para São Paulo. Vale a pena !
Postar um comentário