sábado, 18 de abril de 2015

Crônica de uma professora de Português

Ultima vez que estive na praia, ao ser apresentada para novos amigos, questionaram a minha profissão. Não demorou muito para uma pessoa perguntar como ensino meus alunos a falarem o “Por que” se com o “o” mais aberto ou fechado e quais destas formas seria a correta. Fiquei angustiada. Mas, procurei calmamente esclarecer que a fala tem fatores que podem interferir na pronúncia de determinada palavra ou letra. Gaúchos, sertanejos, nordestinos, catarinenses tem suas especificidades de pronúncia marcadas pelo sotaque. Por exemplo, a palavra “tia” pode ter a pronúncia do “i” mais aberta ou fechada dependendo da região, etc. E que jamais devemos julgar a fala. O que o professor deve considerar e conscientizar seus alunos falantes da língua materna, o português brasileiro, que também é uma variação do português europeu é que a fala além de condicionantes geográficos possui condicionantes sociais, de sexo, idade, etc. Uma criança não falará como um adulto, pois seu repertório linguístico ainda é limitado. Um idoso ou idosa certamente pronunciará palavras do seu tempo cronológico que causará estranheza em pessoas mais jovens. Uma pessoa que more no interior terá suas especificidades de fala, assim como o morador de grandes centros urbanos, etc. Além disso, a fala tem repertórios linguísticos de grupos específicos: skatistas, funkeiros, cantores, médicos, advogados, entre outros utilizam algumas palavras ou expressões próprias do seu grupo que talvez outro grupo não identifique ou não compreenda num primeiro momento. Mas, todos “sem exceção” devem ter o direito ao ensino de qualidade para utilizarem o português padrão oficial sempre que necessitarem: provas, concursos, elaboração de documentos oficiais, redações, textos jurídicos, textos acadêmicos, publicitários, jornalísticos só serão melhor compreendidos quando dominamos a nossa língua. Jamais recriminei a fala de alunos quando, por exemplo, chegaram me cumprimentando “É nois fessora!” e sim procurei elucidar para eles que mesmo que pronunciem tal expressão devem ter consciência que na língua escrita padrão devem escrever “Somos nós, professora!”. A conscientização do uso e adequação linguística para as diferentes situações do cotidiano deve ser o propósito máximo das aulas de Português. Geralmente fico tensa quando as pessoas indagam a minha profissão. Ao responder que sou professora de Português fico só esperando perguntas do tipo “Como se escreve tal coisa?” ou pior “Falar de tal forma é correto?”. Esta última pergunta incomoda mais. Logo explico o porquê. Ser professor de Português deve soar para os outros como uma espécie de dicionário ambulante ou aquele sujeito que tem obrigação “moral” e “social” de falar tudo corretamente com todas as conjugações verbais no seu devido lugar, senão perderá para sempre toda e qualquer credibilidade. Tenho certeza que este sentimento é latente entre os demais colegas da área. Sempre procuro responder todas as indagações que são direcionadas a mim enquanto professora. Mas, queria que as pessoas tivessem consciência que se o dicionário existe, ele deve ser consultado. Quantas vezes forem necessárias. E que o papel do professor de Português, aliás, do bom professor é de ensinar seus alunos a usarem este livro quando precisarem. Não só enquanto são alunos e sim para vida toda enquanto sujeito cidadão e consciente do uso da sua língua, seja ela falada ou escrita. Gostaria também que todas as pessoas tivessem um excelente ensino de “variação linguística” enquanto estudante do ensino básico para nunca mais julgar os outros pela fala. Na faculdade de Letras a variação linguística é discutida nas aulas de Sociolinguistica. Voltando a interação da praia. Depois de toda a explicação proferida, a pessoa voltou a questionar outra coisa: “Como você faria se passasse num concurso para dar aula em Salvador, na Bahia?” Eu fiquei espantada. “Como assim?”. E a pessoa respondeu: “Será que eles entenderiam a tua aula de Português com este sotaque tão gaúcho?” Respirei fundo e comecei novamente a explicação. Continuarei tentando. Sempre. Para alunos formais e não formais. Professor não desiste. Andressa. ******************************************************************************************************* Publicado no jornal impresso DIÁRIO DE SANTA MARIA como ARTIGO intitulado "Sobre a fala e a escrita" http://diariodesantamaria.clicrbs.com.br/rs/

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