domingo, 22 de março de 2009

ESCREVER É PERIGOSO

Escrever é perigoso. Exige coragem. Esta foi a minha conclusão depois de assistir o filme “Contos Proibidos do Marquês de Sade” que foi insistentemente indicado para eu ver pelas minhas colegas professoras.
Esta ficção mostra a realidade um escritor compulsivo. “Enclausurado” num contexto de Revolução Francesa, pois a escrita profana era duramente punida. Eis a principal temática do Marquês de Sade- escrever sobre os desejos carnais humanos.
Não é preciso pensar muito para advir que suas publicações (clandestinas) eram um sucesso. Mesmo numa época de poucos letrados. Havia a prática da leitura oral daqueles que sabiam ler para os que não sabiam. Muitos se reuniam para ouvir “os escritos eróticos e ao mesmo tempo altamente críticos”.
As instâncias superiores do Estado fizeram de tudo para coibir a prática de escrita deste autor. Retiram dele todos os instrumentos possíveis. Porém, o escritor chegou a escrever com o próprio sangue e até com seus excrementos. A necessidade de se expressar era imensa.
Também não é preciso pensar muito para supor o fim trágico reservado aqueles que se destacam por suas idéias- a morte. Seu crime- evocar seus sentimentos e sua crítica através de seus textos para um público “leitor” imenso. Suas publicações mudaram contextos de vida. O filme mostra claramente.
A história está cheia de exemplos de que de fato escrever é um ato de coragem. Expõe o autor. Não foram poucos aqueles que foram queimados, exilados, presos, torturados por deixarem registrados seus escritos. Monteiro Lobado, Fernando Gabeira, etc.
Porém o ato de escrever é uma ação extremamente importante, audaciosa, pretensiosa e faz mudar concepções de vida, de atitude, de crenças. Etc. Qual seria a idéia do Brasil em sua “descoberta” há mais de quinhentos anos atrás se não fosse o primeiro registro histórico – a Carta de Pero Vaz de Caminha?
Talvez obras-primas da cultura mundial não chegassem até nossos tempos se não fossem deixados seus registros por alguém- o escritor. O que seria do teatro sem as peças consagradas “Romeo e Julieta”, “Hamlet” de Shakespeare? Como o Cristianismo se propagaria no mundo sem os registros da Bíblia? É possível uma novela, teatro, cinema existir sem um bom “autor”, sem um “excelente texto” de base?
Logo, escrever é um ato perigoso. O autor pode se destacar dos demais. Tem o poder de fazer perpetuar no tempo sua escrita, suas impressões de mundo, sua arte. Conscientizar, problematizar, escandalizar. Inquieta seu leitor e por isso se torna imortal. Porém, o ato de escrever não é tarefa para muitos. É ação realizada por quem é corajoso (a). Existem muitos corajosos (a)? Creio que não.


Andressa da Costa Farias

4 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pela coragem de expor suas convicções, sentimentos, anseios...
Também tive a oportunidade de assistir esse filme. O marques foi uma pessoa desafiadora, transformadora. Seja você também assim através de seu Blog. Pra quem já conseguiu mudar o método de avaliação de um vestibular, há com certeza muito mais reservado.

Letícia Costa disse...

Nossa prima, este texto se encaixa perfeitamente na responsabilidade que terei ao publicar matérias. Se a responsabilidade já é enorme para autores literários, os quais poucas pessoas têm acesso ou desejam ter, imagina para os jornalistas que possuem mais leitores. Aí é que entra o aspecto ético de cada indivíduo, pois por mais que deseje expressar suas idéias, jamais pode esquecer que outras pessoas terão acesso a elas e que podem tornar como verdade absoluta o que ali está sendo dito. Não é fácil, por isso que assim como no jornalismo devemos checar muito bem as informações das fontes, qualquer pessoa deve fazer uma autoavaliação de seus pensamentos, antes de repassá-los.

Anônimo disse...

Nunca li nem vi o filme mas vou procurar mais informações. Já tinha ouvido falar dele. Gostei muito da reflexão.
abraço!

Unknown disse...

Gostei muito do título desta crônica. Mas é preciso deixar bem claro quais as condições especiais em que “escrever é perigoso”. Bem, eu penso que escrever é perigoso quando a escrita desafia o poder estabelecido, quando dá coragem aos escravos e horroriza os déspotas.

No caso do Marquês de Sade isso é bem verdade. Naquele tempo, na França, a aristocracia, aliada com a Igreja, exercia o seu poder absoluto criando uma imagem de si que fazia o plebeu pensar que aqueles grandes senhores feudais eram “puros”, próximos de Deus, modelos ideais de cristandade que se deveria obedecer e imitar. Pois quando Sade conta, em seus escritos, as estripulias da nobreza e do clero, desfaz completamente essa imagem! Por isso, os seus textos têm, em última instância, um teor político muito forte. Imagine: se a nobreza não é “tão pura assim”, se não é divina, as pessoas não precisam segui-la cegamente, não precisam respeitar a ordem social e política estabelecida, que era comandada justamente pela nobreza.

Isto é parecido com o que fazia aquele trabalhador braçal de dois mil anos atrás, dizendo que era preciso “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Ora, naquele tempo, o Imperador (César), para seguir dominando, precisava criar uma imagem nos seus súditos de que ele, César (ou seja, o Estado), era... divino!!! Ora, então vem um pobretão obscuro, amigo das prostitutas e dos leprosos, amigo de todo tipo de excluídos e provavelmente dos homossexuais, e diz que é preciso dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, querendo afirmar, com isto, que [s]César não é Deus[/s] porra nenhuma e que, por isso, não precisa ser tratado como Deus, que pode ser, portanto, desrespeitado.... ora, um sujeito desses merece, justamente, morrer!!! Neste caso, não é a escrita que é perigosa (porque Jesus não escreveu nada), mas é o próprio ato de [i]dizer[/i] que o é!

Bem, quando isto acontece, as palavras (os atos de dizer e escrever) podem ser considerados como [i]armas[/i]!

Há um fato histórico que ilustra, quase que metaforicamente, como a escrita pode ser “perigosa”. Em 1956, Kruschev chega o poder na URSS. Com isso, tem início um crítica ao stalinismo, o regime anterior que vigorava na Rússia. Os países do leste europeu, nesse contexto, sentem o ímpeto de construir uma autonomia em relação a URSS. A Rússia soviética não deseja esta autonomia. A Hungria se rebela. Neste momento, o grande filósofo Gyorgy Lukács ocupa, no país magiar, o posto de ministro da cultura. A Rússia invade militarmente a Hungria. Em algum lugar de Budapeste, o exército soviético invade o prédio do ministério da cultura. Um soldado adentra a sala do ministro e, dirigindo-se ao filósofo, afirma categórico: “Entregue-me sua arma!”. Neste momento, Lukács coloca a mão no bolso e, retirando-a em seguida, entrega... a sua caneta!

Bem, parece-me que este fato real ilustra perfeitamente a tese defendida neste artigo de que a “escrita é perigosa”.

Um abraço, Andressa! Continue a nos brindar com estas reflexões instigantes!
D

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