terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A morte na urgência da vida

A gente nunca está preparado (a) para enfrentar a morte. Por mais que seja um fato latente. A gente nunca quer acreditar que de repente quem mais amamos neste mundo, nesta vida, possa deixar de existir.  A morte traz sentimentos angustiantes. A sensação de que jamais veremos materializada a pessoa. Jamais ouviremos sua voz novamente. Não poderemos tocar mais sua mão. Sentir seu perfume. Não é fácil.  Eu sabia que não ia ser fácil suportar a morte, sobretudo do meu pai.

Desde que ele descobriu o terrível câncer linfático, em meados do pandêmico ano de 2020, sempre houve uma esperança. A esperança na ciência, a esperança na medicina, nos médicos, nos remédios, em tudo que fosse possível. Mas, a doença foi “cruel”. Foi dilacerando meu “paizinho” por dentro. Primeiro as quimioterapias, depois a perda do cabelo, do peso, etc. E enfim, um alento no remédio que talvez pudesse “salvá-lo” ou dar mais qualidade de vida para ele já tão debilitado.

Mas, infelizmente o tempo do remédio deu, no máximo, a oportunidade para que convivêssemos um pouco mais com o ser incrível que foi meu pai, Gilceu Roque. Nestes dias do medicamento, ao menos, podemos todos ficarmos reunidos em casa com ele. E mesmo bem doente, magro, debilitado, meu pai nunca deixou de acreditar na vida. Escutamos música juntos, fez churrasco para a família, deu muitas risadas, rezamos juntos. E ainda teve tempo para receber alguns amigos ou parentes ali na área da casa para resguardar o distanciamento social numa época de COVID-19.

O tempo passou. E infelizmente, de repente, o pai piorou muito. As dores voltaram, houve a hospitalização, a respiração ficou agravada e a vida, enfim, ficou por “um fio” que logo foi cortado. Desfeito. Foram quatro angustiantes dias de U.T.I. E a morte venceu a doença. Um dos dias mais terríveis da minha vida foi a realidade de reconhecer seu corpo no hospital de Caridade, em Santa Maria-RS. Porém, este também foi um momento de paz. Eu não sei explicar, mas vi um semblante alegre do meu pai. Naquele momento agradeci mentalmente o ser humano incrível que ele foi para mim, para minha família e para todos que o conheceram. Meu pai sempre tinha um sorriso estampado no rosto. E nunca, nunca mesmo desrespeitou ninguém. Quanto orgulho ficou da passagem dele por este mundo. E que honra poder ter sua “marca” genética no rosto. Sempre que eu me vejo no espelho, lembro um pouco dele.

Então, nestes tempos de morte, desalento, pandemia e tristezas. Fica aqui o meu apelo para a urgência da vida. Para que consigamos focar no mais importante: nas pessoas, nos bons sentimentos, na solidariedade, na elaboração constante de boas memórias nos outros.  A vida mostra-se cada vez mais rara e frágil. E por mais difícil que seja sorrir e seguir em frente. É necessário. Por mim, por ti, por cada um. E por todos que agora são, acima de tudo, nossos anjos. Tal qual meu amado e inesquecível pai.

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 Andressa

****** Publicado no jornal Diário de Santa Maria-RS, em 21/01/2020.







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